Ainda que vacina fosse raiz do Bolsonaro réu por golpe, o que mudaria? Nada

Não estou no fundo da consciência de Gonet. Considerando, no entanto, seu padrão intelectual, acho que ele tem dificuldade de acreditar — a exemplo deste escriba e de qualquer pessoa razoável — que um militar graduado, com excelente formação profissional, treinado na disciplina e no respeito à hierarquia, iria proceder à falsificação de dados da vacinação do presidente de sua filha sem que este soubesse. Não sei qual é a impressão ou certeza íntima do procurador-geral, mas tenho pra mim que ele também deve achar essa hipótese muito pouco provável. A gente pode, na mesa do bar, dizer o que der na telha sem medo de errar porque quase ninguém tem medo de errar na mesa do bar, certo? “Ora, como é possível que Bolsonaro não soubesse?”

Não havendo, no entanto, e assim quer a lei, nenhum outro elemento de prova autônoma além da delação — e é isso o que nos diz Gonet —, só lhe resta pedir o arquivamento. Você até pode dizer que essa exigência do devido processo legal acaba contribuindo para que muitos pilantras se safem da Justiça. E eu devo lhes dizer: isso é verdade. Acontece que esse mesmo fundamento impede que muita gente inocente acabe sendo punida por aquilo que não fez.

O que estes tempos afascistados não compreendem sobre o devido processo legal é que não existe troca justa num regime que, sob o pretexto de ser implacável com os culpados, acaba punindo inocentes.

AGORA OS MANIPULADOS
“Mas esperem: esse caso das vacinas não está na raiz da prisão de Mauro Cid, de mandados de busca de busca e apreensão, e essa não é uma espécie de pré-história que contribuiu para deslindar a arquitetura golpista?” A resposta é “sim”, embora a tramoia golpista, por óbvio, não fosse nem causa nem consequência da fraude do documento. Segue a pessoa prudentemente curiosa: “Se, no entanto, o procurador-geral chegou à conclusão de que não há evidência de crime de Bolsonaro naquele registro, além da afirmação do Mauro Cid, isso não compromete todo o resto?”

Bem, essa é a versão que o golpismo está soprado aos ouvidos, ou às orelhas, daquela má consciência a que aludi no primeiro parágrafo. Que diabo de ilação é essa? Em primeiro lugar, o crime de Mauro Cid, no caso do registro das vacinas, foi comprovadamente cometido. Se, no curso dessa investigação, a Polícia Federal desvendou um circo de horrores, com atrações muito mais horripilantes do que a fraude em registro de vacina, os investigadores deveriam ignorá-los? Isso é uma sandice.

Imagine um policial que estivesse investigando o roubo de um caminhão carregado de Chicabon — aquele sorvete que a viúva de um texto Nelson Rodrigues chupava à tarde, no portão, depois de ter enterrado o marido de manhã — e tropeçasse, vamos dizer, num homicídio ou em tráfico de drogas ou de armas… Deveria fazer o quê? “Ah, vou cuidar dos picolés”.

noticia por : UOL

19 de abril de 2025 22:25