Em 6 de agosto de 1825, uma assembleia reunida na cidade de Sucre declarava a independência de um novo país na América do Sul: a Bolívia. Nascida como república autônoma a partir do antigo Alto Peru, a nova nação ganhou o nome de Simón Bolívar, o libertador continental, que aceitou a ideia com reticências.
Em carta ao general Sucre, Bolívar disse que temia que o país fosse pequeno demais para ser viável, cercado de vizinhos poderosos, com uma elite dividida e uma imensa população indígena à margem do poder. Duzentos anos depois, a Bolívia segue habitada pelo mesmo paradoxo: um projeto político que, em várias fases, voltou-se contra sua própria diversidade.
A celebração do bicentenário, neste ano de 2025, encontra o país em nova fase de turbulência: com a economia em crise e seus dois principais líderes populares —o atual presidente, Luis Arce, e seu ex-aliado e ex-presidente, Evo Morales— numa guerra fratricida que diluiu o partido que era de ambos, o MAS (Movimento ao Socialismo).
A história boliviana é marcada por fraturas internas e perdas externas. No século 19, a Bolívia perdeu territórios decisivos: cedeu o Acre ao Brasil, entregou seu litoral ao Chile após a Guerra do Pacífico (1879–1884), e teve parte de sua Amazônia e do Chaco anexadas por países vizinhos.
Internamente, o padrão de exclusão persiste. Por décadas, a população indígena foi impedida de votar, estudar, ou participar da vida pública. A revolução de 1952 foi o primeiro ponto de inflexão, ao promover o voto universal, a reforma agrária e a nacionalização das minas. Mas o impulso reformista durou pouco, tragado por crises econômicas, golpes militares e pela dependência externa.
A Constituição de 2009, sob o governo de Evo, representou uma nova tentativa de refundar o país, agora como “Estado Plurinacional”. A nova carta reconheceu as nações indígenas, seus idiomas e formas de organização, e promoveu a ideia de um país com múltiplas identidades. Foi um gesto histórico, mas que também desencadeou resistências. Departamentos como Santa Cruz, de perfil mais conservador e ligado ao agronegócio, passaram a exigir maior autonomia e confrontaram o governo central.
Esse embate entre centro e periferia, entre o projeto de integração nacional e os interesses locais, segue vivo. Em 2025, a Bolívia atravessa uma crise de representação às vésperas do período eleitoral de agosto. O partido que governou por quase duas décadas está rachado, e Evo está impedido de participar do pleito. A primeira pesquisa eleitoral depois dessa decisão aponta um cenário ate pouco tempo improvável: um segundo turno apenas com candidatos de direita.
A data simbólica dos 200 anos é mais que um marco histórico: é uma oportunidade para refletir sobre o atual projeto de país. A Bolívia, com suas riquezas em lítio, sua diversidade cultural e sua posição geográfica estratégica —trata-se do país com quem o Brasil tem sua mais longa fronteira—, poderia ocupar um papel central na América do Sul. Mas, para isso, precisa confrontar o impasse original de sua fundação: tornar-se uma república para todos os seus habitantes, não apenas um experimento da elite do passado.
A história boliviana é feita de rupturas e recomposições. Talvez, em seu aniversário de 200 anos, seja a hora de reinventar novamente seu futuro.
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noticia por : UOL