'Eddington', de Ari Aster, mostra a histeria e a divisão política da pandemia

Os aplausos tímidos que “Eddington” recebeu ao final de sua estreia no Festival de Cannes, na noite desta sexta-feira (16), sintetizam bem o caráter divisivo do novo filme de Ari Aster, que concorre à Palma de Ouro. Uma provocação de duas horas e meia, o longa já começou a polarizar os espectadores, emulando o que vemos em cena com seus personagens.

A trama, afinal, mostra o acirramento político que recai sobre uma cidadezinha do Novo México, nos Estados Unidos, quando um prefeito adepto das máscaras ganha um rival negacionista em sua campanha pela reeleição durante a fase mais crítica da Covid-19.

É um retrato cru e violento dos Estados Unidos pós-pandemia, que Aster transforma em filme de terror sem recorrer a qualquer elemento tradicional do gênero. O que há de mais assustador, afinal, do que os discursos violentos, de um lado ou de outro do jogo, que surgiram nos últimos anos?

“Escrevi esse filme em um estado de medo e ansiedade em relação ao mundo”, disse Ari Aster. “Queria mostrar como é viver em um mundo onde ninguém mais consegue discernir o que é real. Nos últimos 20 anos, entramos nessa era do hiperindividualismo e a força social que costumava mover as democracias liberais não existe mais”.

O tom sombrio do diretor fez coro com as ressonâncias sobre o governo de Donald Trump que pairam nos corredores do festival. “Acho que estamos percorrendo um caminho perigoso, e parece que não conseguimos pará-lo. A única saída é nos conectarmos uns com os outros novamente”, disse Aster.

“Eddington” é protagonizado por Joaquin Phoenix, que retoma a parceria de outro filme ame-ou-odeie, “Beau Tem Medo”. Agora, ele vive o xerife da cidade-título, um sujeito bronco, sem ambição e adepto de teorias da conspiração, que um dia perde a paciência com a exigência de usar máscara em locais públicos e decide concorrer à prefeitura.

Pedro Pascal, o atual ocupante do cargo, tenta mostrar as evidências científicas para o uso da proteção, mas para o protagonista Joe, é como se o vírus nem existisse de verdade. Sua mente fertilmente perigosa é alimentada por teorias da conspiração espalhadas pelo rádio de sua viatura e pela sogra, papel de Deirdre O’Connell.

Ela passa a madrugada vendo vídeos na internet que associam o espalhamento da doença à plataforma de videochamadas Zoom e até a Tom Hanks, primeira grande celebridade infectada pelo vírus em 2020. Já a mulher, vivida por Emma Stone, tem o psicológico abalado e, para criar ainda mais animosidade na corrida eleitoral, é ex-namorada do prefeito.

“Eddington” começa querendo zombar do negacionismo, não há dúvida. Aos poucos, porém, a tiração de sarro naturalmente direcionada a quem acreditava que as vacinas implantariam chips chineses vai fazendo de vítima, também, a parcela da população mais à esquerda.

Quando George Floyd é morto pela polícia e o movimento Black Lives Matter surge, o cineasta encontra a oportunidade perfeita para fazer troça, também, dos excessos do outro lado.

Não faltam piadas sobre a condição de jovens brancos e ricos da maioria dos manifestantes que tomam a cidadezinha, pedindo desculpas aos berros por seus privilégios. Para o brasileiro fã de Big Brother Brasil, impossível não lembrar de Fiuk em seu choro de mea-culpa por ser um homem branco.

“Eddington” captura, assim, o espírito de seu tempo, numa comédia de erros que descamba para uma violenta série de assassinatos em sua segunda metade. Num olhar um tanto sem nuance e maniqueísta, poderia ser um segundo capítulo no ensaio do negacionismo feito por “Não Olhe para Cima!“.

noticia por : UOL

17 de maio de 2025 17:02