Por que Scott Turow trouxe de volta o advogado herói de 'Acima de Qualquer Suspeita'

O autor e advogado Scott Turow nunca esqueceu uma conversa angustiante que teve há muito tempo com a mãe de um jovem acusado de assassinato. Turow o havia defendido com sucesso em um caso anterior, menos grave, mas desta vez ele era claramente culpado.

Foi uma tragédia em muitos níveis. Mas o que impressionou Turow na conversa foi o amor feroz da mãe por seu filho, apesar de tudo. “Ela estava simplesmente despedaçada”, disse ele.

Essa memória estava flutuando no fundo de sua mente enquanto ele concebia seu mais recente romance, “Presumed Guilty” (ainda sem tradução brasileira), sobre um universitário problemático acusado de assassinar sua namorada em uma viagem de acampamento que deu errado.

A trama também foi inspirada no assassinato de Gabby Petito em 2021, morta por um namorado cujos pais se uniram para protegê-lo.

“Sempre me impressionou o quão terrível é, que experiência devastadora para um pai quando um filho é acusado de um crime grave”, disse Turow. “Eles pensam: ‘Meu amor por este filho é tão grande que não consigo reconhecer que ele ou ela é um monstro?’”

“Presumed Guilty” é o 13º romance de Turow e o terceiro a apresentar o ex-promotor (e agora ex-juiz) Rusty Sabich.

Os fãs dos romances emocionalmente perspicazes, legalmente complexos e compulsivamente legíveis de Turow se lembrarão de conhecer Rusty pela primeira vez no sucesso “Acima de Qualquer Suspeita”, de 1987, amplamente considerado o padrão-ouro para o thriller de tribunal moderno. Ele também esteve em um filme de 1990 e em uma minissérie de 2024, interpretado por Harrison Ford e Jake Gyllenhaal, respectivamente.

Turow foi elogiado por escrever livros populares que atingem o nível de literatura, assim como John Le Carré elevou o romance de espionagem a uma forma de arte.

A maioria de seus livros se passa em Kindle County, um substituto para Chicago, e muitos de seus personagens retornam em livros diferentes, evocando uma comunidade fictícia movimentada. Seu trabalho foi traduzido para mais de 40 idiomas e vendeu mais de 30 milhões de cópias em todo o mundo.

Por que ressuscitar Rusty, visto pela última vez em uma nuvem de miséria no romance “O Inocente”, de 2010? Turow não pensa em seus personagens exatamente como pessoas, mas mantém suas histórias guardadas em sua imaginação e se sentiu um pouco desconfortável em deixar Rusty pendurado assim. “Sinto uma certa lealdade pessoal a ele, porque é o homem que mudou minha vida”, diz.

Ele fala de sua casa de veraneio em Naples, na Flórida, num bairro de grandes casas em pequenos lotes e cidadãos idosos atléticos com viseiras de tênis caminhando vigorosamente nas calçadas. Ele fala de forma precisa, ponderada e quase enciclopédica. Você tem a sensação de que se lembra dos detalhes de cada caso legal em que esteve envolvido, seja fictício ou real.

“Presumed Guilty” leva Rusty de volta ao tribunal, defendendo o filho de sua noiva em um julgamento de assassinato complicado —desta vez na comunidade rural do meio-oeste na qual foi se aposentar.

No clássico estilo Turow, a verdade do caso é retida até o final. Complicações emocionais à parte, o livro dá a Rusty, 77 anos, uma chance comovente de alcançar a felicidade doméstica que sempre lhe escapou.

“Você pode refazer sua vida”, diz Turow, “quando tem consciência de seus próprios erros e de seu próprio papel em sua infelicidade anterior?”

Aos 75 anos, Turow considerou essa questão e exala sua própria satisfação, arduamente conquistada. Ele está praticamente aposentado do direito, embora esteja trabalhando em um caso pro bono pendente.

Em 2008, ele e sua primeira mulher, Annette, se divorciaram após quase 40 anos —foi “incrivelmente doloroso”, diz, mas a coisa certa a fazer— e oito anos depois, ele se casou novamente com Adriane Glazier, uma executiva bancária.

Turow nasceu no norte de Chicago, em um bairro judeu que descreve como quase claustrofobicamente unido. Seus avós eram imigrantes bielorrussos que falavam iídiche.

Seu pai, um médico, era verbalmente abusivo e tinha uma raiva profunda e explosiva. Embora Turow acredite que todos “têm não apenas uma razão para suas falhas, mas uma visão de mundo fundada nisso”, afirma que os problemas fundamentais de seu pai não justificavam seu comportamento. “Eu estava sempre aterrorizado quando criança.”

O pai de Turow queria que ele fosse médico, mas ele queria ser romancista. Estudou escrita no Amherst College, começou a publicar contos e ganhou uma cobiçada bolsa na Universidade de Stanford.

Trabalhando em um romance (nunca publicado) sobre uma greve de aluguel de inquilinos, ele inesperadamente se viu animado com a lei habitacional —e com a própria lei, que parecia um remédio para o caos emocional de sua infância.

Ele se matriculou na Escola de Direito de Harvard e se destacou ainda como estudante ao publicar o livro de não ficção “One L”, um clássico instantâneo que era quase novelesco em sua representação do tumulto emocional e intelectual do primeiro ano de faculdade de direito.

Turow aceitou um emprego no escritório do procurador dos Estados Unidos em Chicago e mergulhou em trabalhos de julgamento de alto perfil, processando com sucesso um juiz do condado de Cook acusado de fraude postal e extorsão, entre outros casos.

Seu profundo entendimento da lei e olhar panorâmico ao tribunal informaram sua ficção desde então. “Ele está ouvindo o que a testemunha está dizendo, o que o advogado de defesa está fazendo, o que o juiz está fazendo, como o oficial de justiça está revirando os olhos, como os jurados estão se olhando —todas as coisas que tornam seus livros tão bons”, diz o amigo Julian Solotorovsky, que o conheceu quando compartilhavam um escritório naquela época.

Ele começou a escrever “Acima de Qualquer Suspeita” por meia hora todos os dias em seu trajeto matinal. Levou oito anos, e seria difícil exagerar a empolgação quase elétrica que saudou a publicação do livro —as vendas da versão de bolso, a adaptação em filme, as críticas elogiosas, como parecia que todos estavam lendo no trem.

O próximo livro de Turow, “O Ônus da Prova”, saltou para o primeiro lugar na lista de best-sellers de capa dura do New York Times quando foi lançado —mesmo enquanto “Acima de Qualquer Suspeita” estava em primeiro lugar na lista de livros de bolso.

Com “Presumed Guilty”, Turow diz que está pronto para deixar Rusty Sabich para trás. Mas embora o arco do personagem esteja completo, o do autor não está. Ele está trabalhando em um novo livro que começa quando um velho advogado fica surpreso ao ler um obituário de um homem que ele acreditava que seu cliente havia assassinado 50 anos antes.

“Levei alguns meses para perguntar se queria escrever outro romance, já que seria natural sentir que trouxe tudo a um círculo completo”, diz. “Mas sim, quero. Me divirto demais para parar voluntariamente.”

noticia por : UOL

19 de abril de 2025 20:38